domingo, 11 de abril de 2010

REVISTA ISTO É

Leonel Mattos: a pintura performática

Enquanto a Bienal de São Paulo prepara uma edição para atualizar a discussão sobre as relações entre arte e política, no Brasil continuam despontando artistas com diversos graus de politização no discurso

Paula Alzugaray

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CORPO COMO TELA
Mattos (à esq.) e autorretrato performático

Enquanto a Bienal de São Paulo prepara uma edição para atualizar a discussão sobre as relações entre arte e política, no Brasil continuam despontando artistas com diversos graus de politização no discurso. Ser político, para o artista baiano Leonel Mattos, 55 anos, é promover situações de troca e criação coletiva. “Acredito na função social da arte e acho que o belo, um conceito kantiano, está ultrapassado. A arte não deve ser panfletária, mas levar ao questionamento, à interação, ao diálogo”, diz o artista. Embora identifique-se com as bandeiras de uma geração que durante os anos de chumbo se esgueirava do controle social inventando outros canais de produção e veiculação artística, Mattos não é um artista conceitual. Dedicado à pintura desde 1984, encontrou nas ruas, em sanatórios e em feiras livres a alternativa ao circuito de museus e galerias, que considera viciado e alheio à vocação social da arte. Ao sentir necessidade de experimentar novos suportes para sua pintura, começou a usar o corpo.

“Fazendo intervenções com o povo, cheguei à pintura performática, misto de intervenção urbana, body art e pintura”, conta. Sua atuação ganhou ainda mais força e intensidade depois da experiência na Penitenciária Lemos Brito, onde, preso no ano 2000, conseguiu gerar interesse e movimentação consideráveis em torno da pintura. “Das Biritas, Meu Nego e Carlos Alberto foram presos que se destacaram e pintaram mais de 50 trabalhos cada!”, diz. Da fase sombria da prisão, surgiu a instalação “Caixa Preta”, apresentada no MAM Bahia, em 2004. Outro claro reflexo dessa experiência é a curadoria da mostra “2.234”, que este ano passa por seis cidades brasileiras e mobiliza 125 artistas em torno de um movimento pela paz. Crítico do projeto do governo baiano de investir em uma Bienal local, Mattos continua ocupando as ruas com intervenções pictóricas e empenhando-se na construção de um museu coletivo a céu aberto. “Prefiro expor na Feira de São Joaquim do que na Bienal de Veneza”, desafia.

Um comentário:

  1. Em 2005 trabalhei numa instituição com medidas "socioeducativas" para meninos entre 14 e 18 anos que cometeram atos infracionais em situação de "internação".
    Fui convidada inicialmente para desenvolver um projeto de arte-educação, mas a realidade diária era outra. Quando cheguei havia uma pequena sala onde, uma vez por semana, 4 meninos aprendiam algum tipo de trabalho manual. Tinhamos 100 garotos e eu queria trabalhar com os 100 e não com 4. O maior desejo desses meninos era : liberdade! Não gostavam de nenhum curso, nenhuma aula, de nada! Eles só pensavem em sair dalí, nada mais que fizessemos lhes interessava. Como artista plástica, sentia que a única forma de liberdade naquele lugar cheio de grades, seria a arte. Comecei a mostrar imagens de obras de artistas e contar suas histórias no pátio central, onde todos tinham acesso. Falei sobre Van Gogh, Picasso, Portinari e tantos outros, eles passavam por mim, davam uma olhada, começavam a olhar os livros e iam embora,uns riam, outros diziam "isso não tem nada a ver". Desanimada, conversando com meu mestre, o pintor Gontran Guanaes Netto, ele disse:
    - é claro, o que interessa pra eles o que o Picasso fez? Eu ganhei um catálogo de uma exposição que vai te ajudar. E me entregou um catálogo preto com um retangulo pequeno recortado, onde podia ver o rosto de um homem, "Caixa preta", pode levar pra você, os meninos vão gostar.
    Eu levei no dia seguinte e foi o maior sucesso, começaram a chamar os outros para ver, e dentro de poucos minutos todos queriam ver o catálogo. Queriam ficar com o catálogo, perguntavam se era verdade que ele esteve preso, perguntavam se iam poder pintar lá dentro também, tudo que eu escrever para tentar descrever a sensação daqueles meninos vai ser pouco, eles entraram num estado de euforia e entusiasmo, se identificaram com Leonel Mattos e para eles existia agora um artista que sabia o que eles sentiam, você não imagina quanto tempo, quantas vezes e quantos dias olharam aquele catálogo. Em pouco tempo já sonhavam com aquele lugar sujo e feio todo colorido. Eles queriam pintar! Pelas regras, não podiamos levar material para aquele espaço, tive então que fazer uma reunião com os meninos e fizemos um acordo, que todos os pincéis que entrassem no pátio teriam que sair e os restos das tintas também. Conversei com o diretor da instituição e comecei a levar o pouco material que consegui: guache, pincéis e papéis. Os meninos começaram a desenhar e pintar. Depois, começaram a pintar seus quartos com o pouco de tinta que sobrava, colar desenhos e pinturas nas paredes. Aquele lugar já não era mais o mesmo. Chegaram a guardar água sanitária que recebiam para limpar os banheiros e descoloriram o uniforme, diluiram guache na água e mancharam a camiseta branca e a bermuda cinza com várias cores. Qual foi a minha surpresa num dia de visita em que todos desfilavam pelo pátio com suas roupas manchadas e coloridas. Detalhe: quando as roupas iam para lavanderia, perdiam a cor novamente, mas não importava, eles tinham tido aquele momento de se sentirem individuos, diferentes uns dos outros.
    Chegamos a fazer uma exposição dos trabalhos para as famílias. Tem um desenho que não sai da minha lembrança: uma favela num morro, no alto desse morro um menino empinando pipa. Tudo é preto e branco, só o menino e a pipa são coloridos.
    Por meio da obra de Leonel esses meninos encontraram o que mais queriam e não podiam ter: a liberdade!
    OBRIGADA!

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