domingo, 11 de março de 2012

Salvador, 11 de Março de 2012

Entrevista com o artista plástico Leonel Matos

Postado em - 27, Fev de 2012,

Leonel Matos, 57 anos, começou a aparecer na cena plástica da Bahia em 1971. De lá para cá, desenvolveu uma carreira no mínimo inusitada: prêmios, polêmicas, inquietação, intervenções performáticas em toda a cidade e muita agitação cultural, realizando exposições coletivas como “Revólver”, “11+22+44”, e agora, à frente do SINAPEV-BA, é sindicalista. Atuante nas redes sociais sempre produzindo e apresentando novidades, abre a exposição Leonel Matos em três linguagens na Caixa Cultural no dia 6 de março.

* Leonel Matos é entrevistado por Carlínio França.

PARA QUE SERVE PAPEL HIGIÊNICO?

R - Papel Higiênico tem a sua função como todo objeto,mas na visão de um artista ele pode ganhar status de arte!

QUAL O LUGAR DESSE ÚTIL SUPORTE?

R- Poderia ser no banheiro ou nas prateleiras dos supermercados, mas ele representadopor umaexpressão plástica visual!

BOM-BRIL TEM MIL E UMA UTILIDADES?

R - Tem todos os objetos poderão ter, cabe um novo olhar!

“Lembro-me bem que a mais de vinte anos, Leonel estava na porta do Teatro Castro Alves interagindo com o público chamando-os para colaborar, pintando na grande tela que estava à disposição. Nesta época não se falava em performance, happenings, instalações. Lembro de outra exposição na Galeria Cavalete onde colocou ratos feitos de Bombril dentro da galeria, e nós só víamos de fora.” Texto de apresentação de Aldo Trípodi.

E URUBÚ NA CARNIÇA?

R- Na tentativa de interagir com o urubu, criei uma instalação interativa comestível para o urubu, utilizeilínguas de boi in natura, deixei apodrecer durante cinco dias, pendurei num gancho de ferro, tipo desses que tem no açougue, no varal de madeira e coloquei na parte externa do MAM-BA, mas como o urubu não desceu, acho porque a carne não estava no chão, eles ficaram só sobrevoando olhando, dai para eu materializar coloquei um feito de cimento!

VOCÊ FOI SELECIONADO PELA CAIXA E LHE OFERECERAM O SUBSOLO DO ESPAÇO, O QUE ACONTECEU?

R - Na verdade eu ganhei o edital para expor em uma das salas principais, mas depois resolveram transferir para o subsolo, que não vejo problema algum. Com a mudança do local comecei a trabalharcom objetos novos pensando na sua montagem, dai,surgiu à ideia de trabalhar com papel higiênico, me mostrando outro caminho com novas matérias, e fui muito feliz, porque surgiu uma série nova!

ESSA NOVA EXPOSIÇÃO REALMENTE TRAZ NOVIDADES? ESTAS SE APRESENTAM NAS TRES LINGUAGENS?

R - Sim, esta exposição eu acho que posso dizer que me levou a vários caminhos, com novos tipos de matérias e objetos, com uma nova forma de expressão! Às vezes eu também me assusto, mas sou um artista que extraiu do que vivo e sinto de uma forma positiva ou negativa, referênciapara o meu trabalho plástico visual! O que importa é o resultado final de cada obra!

NOTO UMA INFLUÊNCIA DE MIRÓ EM SUAS NOVAS TELAS E MUITA LEVEZA NOS DESENHOS, QUE SÃO AQUARELADOS COM ACRÍLICAS ESTOU CERTO?

R- Verdade! Eu estava no computador olhando umas fotos das obras de Miró e notei quetinha haver com as formas e cores dele, também na escultura, o volume, dai resolvi a fazer uma série de (revisitando Miró), mas já caminhei, rsrsrs!

ALDO TRÍPODI, MUITO PERPISCAZ NA APRESENTAÇÃO DE SUA EXPOSIÇÃO, DETECTA QUE “O MAIS IMPRESSIONANTE É A SERENIDADE QUE AFLORA DE UMA ALMA INQUIETA, MAIS HUMANÍSTICA E DÓCIL, APESAR DE SER UM “REBELDE COM CAUSA“.

R - Olha pode até parecer que eu seja um rebelde, polêmico, como acham, mas quando você assume uma postura verdadeira com você mesmo, e diz o que pensa, as pessoas não gostam daí eu ressalto a polêmica, parece que eu é que sou o polêmico! Sou romântico e um apaixonado pelas pessoas e a vida!

ALDO TAMBÉM FALA DE SEU CARÁTER AGLUTINADOR. JÁ BRIGAMOS E ISSO VEIO A PÚBLICO NO PASSADO, QUANDO DA CRIAÇÃO DO SINDICATO. ANTES QUE ALGUM “ENGRAÇADINHO” LEMBRE (RS), VAMOS EXPLICAR?

R - O SINAPEV-BA, Sindicato dos Artistas Plásticos da Bahia, que partiu de uma conversa minha e sua resolvi dar o pontapé inicial e ficamos no inicio juntos, mas por um desentendimento de posturas de pensamentos, você se desentendeu com outro nosso colegae abandonou o barco! Eu sabia que tudo fazia parte, principalmente de posições de pensamentos, pois o intuito é um só. Tanto que o outro que você discutiu também abandonou o barco. O meu objetivo não era o tempo e sim a realização da legalização, que hoje está legalizado! Eu sabia que tudo ia se moldar e como estava tudo novo, tudo faz parte!

Observação: Retornamos a relação cordial, me filiei e atuo em algumas ações do SINAPEV-BA.

ESTAR À FRENTE DO SINAPEV TEM LHE TRAZIDO MUITOS PROBLEMAS?

R - Graças a Deus não! Realizamos vários eventos do SINAPEV-BA, e por ultimo agora fizemos o presente de Iemanjá, o principal, que foi um sucesso, com mais de 40 artistas!

BATEMOS MUITO NO EX-SECRETÁRIO MÁRCIO MEIRELES À FRENTE DA FUNCEB. PARODIANDO CAZUZA, AGORA QUE “NOSSOS AMIGOS ESTÃO NO PODER” A SITUAÇÃO PIOROU OU MELHOROU?

R- Depositamos esperanças de ver uma Bahia, mais justa culturalmente, mais rica, mostrando seus valores em todas as áreas, mas o que presenciamos foi o acabar com tudo, principalmente na área das artes plásticas, acabaram com o salão que era a única vitrine da Bahia nacionalmente, e os salões são as principais portas de entrada dos artistas, principalmente os mais jovens! Hoje ainda se salva a Bienal do Recôncavo, que atende as características! Precisamos de um Secretário que conheça profundamente todas as áreas, ou coloque pessoas competentes para os cargos, porque o sucesso de uma administração está no seu administrador e na sua equipe!

MUDOU ALGUMA COISA NA ATUAL GESTÃO?

R - Não mudou nada! O Márcio se perdeu como Secretário e o atual Albino, só é técnico, mas na pratica não fez nada e não vai fazer! Os editais que eles colocam de 10.000 é uma vergonha, não funciona, limita o produtor a realizar projetos de pequeno porte, mal dar para a gasolina e telefone! Que dirá um catalogo! Precisamos fazer projetos mais ousados!

COMO O SINAPEV TEM SE POSICIONADO?

R - O SINAPEV-BA está precisando de uma sede própria, solicitamos ao Secretário Albino, ele prometeu, estamos esperando que cumpra, mas até agora nada! Precisamos de mais artistas sindicalizados, precisamos torna-lo de utilidades publica, para chegar à verba que precisamos para desenvolver projetos, até agora o que fizemos foi com vaquinhados artistas!

Sem grana sem apoio fica difícil, porque existe um custo básico! Mas estamos cada vez mais crescendo e queremos nos preparar para agir juridicamente e com mais rigor, exigindo o que a classe precisa! O SINDICATO para mim foi uma questão de honra, não éramos legalizados e não temos aposentadoria, o artista trabalha a vida toda e não é reconhecido como profissão, tem artistas inválidos ai precisando de apoio e alguns já morreram na miséria!

DIZEM QUE SEU REAL INTERESSE À FRENTE DO SINDICATO É OCUPAR UM CARGO À FRENTE DE UM MUSEU OU COISA PARECIDA. TEM FUNDAMENTO ESSA HISTÓRIA?

R - Não, nenhum fundamento! O sindicato nasceu com a proposta de legalizar uma classe que ainda não existia. Como artista sinto-me envergonhado e como presidente do SINAPEV-BA, é uma questão moral!

A COLETIVA REVÓLVER, 11+22+44 E A OCUPAÇÃO DA FEIRA DE SÃO JOAQUIM, ALÉM DE TER SIDO GRANDES MOSTRAS TINHAM UM TRAÇO EM COMUM: A MISTURA DE ARTISTAS CONSAGRADOS COM NOVOS, ESSA JANELA CONTINUARÁ ABERTA?

R - Com certeza, a exposição da Feira de São Joaquim, eu quis provocar o olhar, questionar o local, quem valoriza quem? Arte valoriza o lugar ou o lugar valoriza a arte? Sabemos que os interesses mercadológicos existem,o valor grana, que não corresponde a prioridade de um verdadeiro artista, a grana é consequência! Vou continuar dando a minha contribuição sim!

ALGUNS COLEGAS AFIRMAM QUE VOCÊ SUBSTITUI EM PARTE O PAPEL DA FUNCEB NO QUE TANGE A INICIATIVAS NA ÁREA DE ARTES PLÁSTICAS. ESSE SENTIMENTO É REAL?

R- Eu como artista já basta, mas senti a necessidade de dar a minha contribuição abrindo espaço, fomentando a cultura e fazendo o que penso e queé certo e que os artistas e a nossa classe precisam! A maioria dos artistas novos e alguns outros que já estão ai há tempo, não tem espaço para mostrar, suasproduções belíssimas que caberiam em qualquer lugar do mundo. Alguns desses artistas começaram a aparecer depois do Sindicato, depois da minha abertura!

VOLTANDO AO PARTICULAR, COMO FOI FAZER DO LIMÃO UMA LIMONADA QUANDO DE SUA PRISÃO?

R- Resolveramme tirar de circulação, talvez pela minha postura, isso foi em 1990, sair com 28 dias de habeas corpus. Uma puta armação! Depois resolveramme pegar em 2000, para cumprir a condenação que eu não me apresentei, faltava só quatro meses para prescrever, como não podia fazer mais nada tive que cumprir a pena, dê fez a Caixa Preta, que é um diário de imagens, feito por mim e os presos. Na tentativa de transformar a cadeia em um centro cultural, pintei várias fachadas das celas e os presos adotaram a arte na cadeia! Mostrei que é possível!

APÓS ESSE FATO, ENFRENTOU MUITO PRECONCEITO POR PARTE DE CLIENTES E GALERISTAS OU SOLIDARIEDADE?

R- Muita solidariedade, e não sabia que era tão querido, até porque os fatos foram esclarecidos!

QUEM TE APOIOU MAIS?

Muita gente, família, amigos, imprensa, todos que me conheciam e sabiam do meu caráter e personalidade. Eu já era artista, comecei em 1971, e tinha acabado de retornar de são Paulo premiadíssimo, em 1990.

A CINEASTA JANAINA QUEITZAL FILMOU A CAIXA PRETA, TUNA ESPINHEIRA SUA TRAJETÓRIA. SÃO DOCUMENTOS PRECIOSOS. NO ENTANTO, REGISTRAR A OBRA EM UM CATÁLOGO OU UM LIVRO É TÃO DIFÍCIL. CONTE-NOS SUA EXPERIÊNCIA?

R - Sinto-memuito honrado por ter meu trabalho servido como fonte de inspiração para outras linguagens, principalmente profissional como eles!

ESSA COISA DE ORGANIZAR EXPOSIÇÕES, FAZER INTERFERÊNCIAS EM PAREDES, ÁRVORES, PRAÇAS E FEIRAS. JÁ OUVI GENTE AFIRMAR QUE ISSO DESVALORIZA A OBRA DO ARTISTA ENQUANTO PRODUTO VENDÁVEL NO MERCADO DE ARTE. O QUE VOCÊ ACHA?

R - O mercado é secundário pra mim! A rua é a extensão do meu ateliê, a rua é democrática é uma forma de levar arte onde o povo estar, acha que arte na rua pode despertar nas pessoas outra forma de ver o mundo!

SUA RELAÇÃO COM ARTISTAS DE TODO O PAÍS É EVIDENTE. COMO TECEU ESSA TEIA?

R- Depois que fui morar em Sampa em 1984, abriu meus horizontes, lá a informação bate em sua porta e não tinha a net ainda, com a chegada do facebook, ampliou mais , pude mostrar o que vinha produzindo aqui na Bahia durante esse tempo de 90 pra cá, através de fotos etc.!

VOCÊ FOI CASADO COM ROGÉRIA MATTOS, TAMBÉM ARTISTA PLÁSTICA DE SUCESSO. COMO FOI ESSA CONVIVÊNCIA ENTRE CRIATIVOS?

R - A Rogéria fazia teatro na Bahia e fazia também cerâmica nas oficinas do MAM-BA, em 1984, quando mudamos para Sampa, tinha um salão Pirelli, que só entrava pintura, ai ela pintou o primeiro quadro e ganhou logo o premio, Depois começou a se destacar nos salões como o Paulista de Arte contemporânea, e pelo Brasil, eu também, na época participei de 13 salões oficiais durante um ano e ganhei três prêmios, era a Bahia se destacando lá fora!

DESCOBRI NO FACEBOOK QUE ROGÉRIA, TEM COMO NOME DE BATISMO TEIXEIRA RODRIGUES, OU SEJA, SOMOS PRIMOS NASCIDOS E CRIADOS NO MESMO BAIRRO! COMO ESSA FERRAMENTA DE COMUNICAÇÃO TE AJUDA A AGITAR A CULTURA, MOSTRAR E COMERCIALIZAR SUA OBRA?

R - Quando comecei no face, acho que já tem uns 3 anos, comecei a revelar os bastidores da arte baiana, e logo notei que é os problemas são iguais com a maioria dos artistas do Brasil, todos questionam a mesma coisa, ou seja , a necessidade de ver os artistas se mostrando como se deve, e a valorização do mesmo!

SUA PASSAGEM POR SÃO PAULO E SEU REGRESSO À BAHIA. COMO FOI RETOMAR A CARREIRA EM NOSSO MERCADO?

R - Ainda em Sampa vendi toda uma exposição individual para a Marchand Jacy Brito, proprietária da Galeria Cavalete, onde era o ponto de encontro dos artistas da geração 70 aqui na Bahia. Também tem um derrame de obras minhas nas mãos de colecionadores importantes de todo o Brasil!

VOCÊ CONSEGUE VIVER APENAS DE ARTE?

R - Sim, tenho vivido delahá mais de três décadas e graças a Deus as pessoas gostam do meu trabalho e tem crescido a procura!

COMO UM ARTISTA SE VIRA NOS ALTOS E BAIXOS DA CARREIRA?

R - Não é fácil, sempre fui apoiado financeiramente por minha tia Dalva, que investia no meu trabalho, me deu o luxo de fazer o que bem entendia e o que queria nunca me preocupei com as vendas, embora vendesse, mas não me preocupava, era o meu ponto de apoio! Depois que ela faleceu ai já dava para me sustentar e hoje posso dizer que estou feliz!

VOCÊ VIVEU PARTE DE SUA VIDA EM ITAPAGIPE, NO MONTE SERRAT ONDE AINDA TEM ATELIER. COMO ESSE PEDAÇO TÃO PARTICULAR DA CIDADE TE INFLUENCIOU?

R- O Monte Serrat é um lugar lindo! Maravilhoso, inspirador!

NA MORAL, VOCÊ PINTA POR NECESSIDADE OU POR VAIDADE?

R - 40 anos de arte consecutivos, sem parar, o que acha? Rsrsrs 40 anos, não são quatro dias! Arte e vida não consigo separar. Para mim é uma coisa só!

O SORVETE DA RIBEIRA AINDA É O MESMO?

R- Mantem a tradição!

AINDA PREPARA UM PEIXE?

R - Nunca fui de cozinhar e sim de degustar!

QUAL É O MELHOR LUGAR: A COZINHA OU O ATELIER?

R - Atelier, sem duvidas!

DESENHO, PINTURA OU ESCULTURA?

R- Todas! Mas a pintura é especial tem que está afinado!

VAI CONTINUAR NO RIO VERMELHO?

R - Espero que sim, mesmo que mude de ateliê,o Rio Vermelho tem algo de especial, tem uma energia de arte no ar!

É MELHOR SER PAI OU AVÔ?

R- Pai e avô! Família pra mim é especial!

GALERIA OU MUSEU?

R - Galeria e Museu, rua, todos os lugares onde estiver publico!

E A ILHA?

R - A Ilha continua com sua magia, embora mal cuidada!

QUAIS SÃO OS PROJETOS FUTUROS?

R - Meu futuro é próximo, não mais que um segundo!

O QUE DIRIA PARA OS QUE ESTÃO CHEGANDO AO PEDAÇO?

R- Fazer com amor, ficar antenado, saber qual o objetivo, não desistir nunca! A vida começa depois dos 50, rsrsrs!

FALA LEONEL...

R - Para finalizar; a Bahia só vai acontecer quando juntarmos força e mostrar daqui o que se produz, para o mundo, valorizando a prata da casa!


Nenhum comentário:

Postar um comentário